Bingo: O Rei das Manhãs

Cinebiografia de Arlindo Barreto, um dos intérpretes do palhaço Bozo no programa matinal homônimo da televisão brasileira durante a década de 1980. Barreto alcançou a fama graças ao personagem, apesar de jamais ser reconhecido pelas pessoas por sempre estar fantasiado. Esta frustração o levou a se envolver com drogas, chegando a utilizar cocaína e crack nos bastidores do programa.

O filme retrata a história de Augusto Mendes, um ator que sonha em ter uma carreira notória e duradoura na televisão brasileira. Divorciado e pai de Gabriel, ele trabalha fazendo pornochanchadas e pequenas participações em novelas da TV Mundial – a emissora com maior audiência do país. Porém, em busca do seu maior sonho, e devido uma promessa ao filho, cogita se desprender dos trabalhos pornográficos para trabalhar animando um programa matinal infantil. O grande revés vem a tona quando descobre que o público não pode saber sua identidade. Portanto, anonimo, entra em crises pessoais, o que corrobora em uma convivência ruim com o filho e em seu ambiente de trabalho.

A concepção da ideia inicial do longa-metragem foi pensada por Dan Klabin durante a leitura de um artigo da Revista Piauí, no qual tratava o conflito de Arlindo Barreto com seu filho. Klabin convidou Rezende, que até então tinha trabalhos no meio cinematográfico apenas como montador, para a direção, e ambos apostaram nessa história com o objetivo de contar um recorte dela, sobre o ator que encarnou o palhaço ídolo dos anos 1980. O roteiro de Luiz Bolognesi veta elementos que pudessem, de alguma forma, barrar a liberdade criativa da obra, assim acarretando em algumas mudanças, entre elas, o nome de Bozo para Bingo. O estágio de escolha do elenco pendurou-se até o fim de 2015, onde foi iniciado as filmagens.


Enredo
Augusto Mendes é um ator divorciado que trabalha fazendo filmes de pornochanchada, e promete ao filho, Gabriel, que seu próximo trabalho será algo que todas as crianças poderão assistir. Ele tenta uma vaga para ator numa novela das oito da Rede Mundial, mas consegue somente uma ponta. Ao tentar improvisar em cena, é chamado para levar uma bronca dos diretores, e acaba desistindo do papel após tentar ser convencido de que "é melhor fazer uma ponta na Mundial do que ser o protagonista em qualquer outro lugar".
Ao se candidatar para a vaga de ator em outra emissora, Augusto se depara com uma longa fila, e vê uma outra fila menor com homens vestidos de palhaço. Ao questionar do que se tratava, ele descobre que está sendo feita a seleção para o palhaço Bingo, que terá um programa infantil. Augusto entra nesta fila e vê os demais candidatos sendo sumariamente eliminados pelo diretor Peter Olsen – um estadunidense mal-humorado que não entende português. Quando chega a sua vez, Augusto faz um improviso falando palavrões e xingando o diretor, fazendo com que todas as pessoas no estúdio riam. Impressionado com a performance e sem entender o que ele tinha dito, o diretor o contrata para ser o Bingo.
Durante as gravações do programa, Augusto vira amigo do cinegrafista Vasconcelos. A diretora e produtora Lúcia insiste para que Augusto mantenha-se fiel ao roteiro, traduzido diretamente do inglês. Como a audiência não é boa, Augusto decide improvisar, e o programa começa a ter sucesso. Augusto também introduz a ideia de ligações telefônicas ao vivo, chegando ao segundo lugar de audiência. Ao perceber que o programa da emissora concorrente é apresentado por uma loira em roupas curtas, Augusto resolve trazer uma dançarina que havia conhecido numa boate –Gretchen –, e o programa passa a ser líder de audiência, pois agora também atrai a atenção de adultos.
O programa do Bingo é um sucesso nacional. Augusto ganha muito dinheiro e começa a frequentar festas quase diariamente, ingerindo muita bebida alcóolica e consumindo drogas de vários tipos. Ele passa a sumir por vários dias e a esquecer compromissos com seu filho, Gabriel. Sua mãe, Marta, uma atriz aposentada, consegue uma vaga numa novela, mas é tomada de surpresa e desgosto quando vê que foi substituída por outra atriz, sem aviso. Ela morre pouco tempo depois. Augusto, ao tomar conhecimento, passa a beber ainda mais. Ele aposta com Vasconcelos que conseguirá transar com Lúcia, que é evangélica, e passa a assediá-la, sem sucesso.
Uma noite, enquanto estava com seu filho, Augusto adormece de tanto beber. Gabriel então bebe uísque no mesmo copo que o pai, entrando em coma alcoólico e indo parar no hospital. Augusto então perde o direito de visitar o filho. Durante um programa, após cheirar cocaína antes de entrar no estúdio, Augusto começa a sangrar pelo nariz ao vivo, em frente às crianças e às câmeras, e fica atônito. No dia seguinte, ele descobre que perdeu o emprego e há outro em seu lugar. Ele passa a frequentar um grupo dos Alcoólicos Anônimos e a apresentar-se na igreja de Lúcia, finalmente conquistando-a e casando-se com ela.

Dois, três, meia, zero, oito, sete, três. Quem cresceu nos anos 1980, sabe o real significado destes números. Era o telefone do Bozo, um programa de televisão apresentado por um palhaço com a cara branca, roupa azul e nariz e cabelo vermelhos. Era a mania entre as crianças, que desfilavam nas escolas jargões como "cinco e sessenta", "dá uma bitoca no meu nariz" e "ah, que peninha", quando um participante não ganhava uma bicicleta em brincadeiras como jogo da memória e uma corrida de cavalinhos mecânicos - um branco, um preto e um malhado.
Anos depois, no dia 24 de novembro de 1998, o finado tabloide Notícias Populares trazia na sua manchete: "Bozo era movido a cocaína na TV". Claro que o jornal não estava falando do palhaço, que foi criado nos Estados Unidos, e importado por Silvio Santos, mas sim de um de seus intérpretes,Arlindo Barreto. Filho de atriz e, ele próprio um ator estudado, Barreto havia participado de algumas pornochanchadas, até que viu no palhaço a sua primeira chance real de protagonismo.
Com o sucesso conseguido na TV, vieram as festas, orgias e drogas. Ele se viciou em cocaína e só conseguiu se limpar quando entrou para a igreja. Por questões de direitos autorais com o palhaço original, nomes foram mudados. O Bozo virou Bingo, Arlindo virou Augusto (Gretchen continuou sendo Gretchen!) e Bingo: O Rei das Manhãs virou mais do que apenas um capítulo da TV brasileira. O filme é um resgate do que foram os anos 1980. Uma máquina do tempo.
O projeto é o primeiro longa-metragem de Daniel Rezende nos cinemas. Mas o diretor está longe de ser iniciante. Entre vários outros trabalhos, Rezende é o montador de Diários de Motocicleta,Tropa de Elite 1 e 2RoboCop e Cidade de Deus, pelo qual foi indicado ao Oscar, em 2004. Depois de alguns curtas-metragens e séries de TV, ele viu na história de Arlindo tudo o que ele precisava para fazer esta estreia atrás das câmeras e mais afastado da sala de edição.
Wagner Moura era sua primeira opção para interpretar Augusto. Porém, o ator estava envolvido na minissérie Narcos, e o próprio Moura indicou Vladimir Brichta. E que decisão acertada! O ator some embaixo da máscara do personagem e conduz o filme. Dói ver o jeito que ele sofre pela sua desdenhada mãe, ex-diva, e mais ainda a forma como ele mesmo machuca seu filho quando fama e drogas lhe tomam a agenda.
O elenco de apoio tem Leandra Leal Augusto Madeira igualmente irrepreensíveis como a diretora do programa (e alvo recorrente de cantadas) e o câmera-man (parceiro recorrente nas baladas). Entre as participações especiais, Pedro Bial aparece como o chefão da TV concorrente eEmanuelle Araújo faz a melhor Gretchen, única personagem real da vida de Arlindo que topou manter seu nome real. E temos ainda a última aparição de Domingos Montagnier, que repete sua famosa dupla com o também palhaço Fernando Sampaio em sequências carregadas de emoção.
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Outro personagem é a trilha sonora. Ex-DJ, Rezende traz para o filme seu estoque de fitas cassete BASF recheado de "lados-B" do que era pop nos anos 1980. Bandas como Echo & The Bunnymen eDevo se intercalam com as nacionais Titãs e Metrô - que aliás está tocando na cena em que o nosso Érico Borgo aparece em cena, tentando uma entrevista com Bingo durante uma festa. Desafio os leitores do Omelete a achá-lo!

Muito mais pop e divertido no seu início, o longa tem um anti-clímax com o mergulho de Augusto nas drogas, na sua pira de ser famoso sem poder ser reconhecido por isso. O neon, as cores e as roupas bufantes continuam presentes, mas neste momento, o clima do filme pesa e a fotografia deLula Carvalho, com planos mais longos, chama atenção. Há duas em sequências em especial lindíssimas. A primeira, quando Bingo vai andando pelos corredores da emissora de TV e as luzes vão se apagando atrás dele, e a segunda - logo depois - quando a câmera viaja pela São Paulo dos anos 1980 e entra no apartamento de Augusto, digna de David Fincher.
Mais do que duas horas de escapismo, Bingo - O Rei das Manhãs é uma sessão de terapia. No escuro do cinema, você vai ver que os temas tratados ali não ficaram nos anos 1980 e que não estamos falando de Augusto. Ainda hoje estamos buscando reconhecimento, nos afastando da família em detrimento do trabalho e deixando de olhar para nós mesmos como protagonistas de nossas vidas. Daniel Rezende consegue fazer isso de forma leve e pop. Como diria Coronel Hans Landa emBastardos Inglórios"That’s a Bingo!".


Fonte:
Ilustrada


Omelete


Wikipedia

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